Minha irmã, Julia, era uma dessas garotas muito comuns. Não possuía nenhuma qualidade em especial, assim como nenhum defeito óbvio. Não era muito inteligente, tampouco burra. Não costumava ser simpática, mas era agradável de se ter por perto. E não havia nada que se destacasse em sua aparência. Exceto, talvez, por seus longos cabelos negros. Ela parecia orgulhar-se deles, pois vivia escovando-os, e os deixava sempre soltos para que todos reparassem.

  Quando queria irrita-la, eu dizia que ela parecia a Samara Morgan, aquela do filme "O Chamado". Então ela me lançava um olhar que de fato dava medo. Ela cuidava obsessivamente de seu cabelo, e se alguém, por acidente, encostasse nele, recebia uma bofetada. Várias vezes nossos pais sugeriram para que ela o aparasse - pois uma mudança de estilo lhe faria bem, ou porque evitaria piolhos no verão - mas ela defendia as mechas com sua vida.

  Um belo dia, talvez por estar comprido demais, o cabelo começou a cair.  Julia chorou ao perceber que, quando corria os dedos pelos fios, vários deles saíam em sua mão. No começo parecia algo normal, mas logo piorou tanto que já poderia ser considerado calvície. Grandes lacunas de pele pálida ficavam aparentes em seu couro cabeludo. Ela estava inconsolável. Perdeu totalmente o ânimo, não sorria mais e logo começou a recusar a comida que lhe era oferecida. Tentamos todos os meios para curar aquilo, mas nada parecia resolver ou mesmo desacelerar a queda de cabelo.

  Ela passava muito tempo em silêncio, perdida em pensamentos. Até que uma vez, enquanto eu entrava em seu quarto para deixar mais uma refeição que ela não comeria, ela fixou os olhos em mim e começou a murmurar algo.

  - Sarah fez isso comigo. A culpa é dela. Ela sempre teve inveja.

  Sarah era uma das melhores amigas de minha irmã - na época em que ela ainda tinha amigas. Era uma menina muito bonita de cachos dourados e sedosos. Mas, nos últimos meses, ela havia sido diagnosticada com leucemia, e o tratamento a deixou debilitada e careca. Felizmente, ela estava se recuperando. O cabelo voltava a crescer aos poucos, e seus parentes investiram muito dinheiro para lhe comprar uma peruca maravilhosa, que parecia real. Por coincidência, a peruca era negra como as madeixas de minha irmã - porém, as mechas eram cacheadas enquanto as dela eram lisas.

  - Sarah está doente! Como você pode dizer uma coisa dessas?

  Ela me fuzilou com o olhar, provocando-me um arrepio.

  - Foi ela.

  Eu estava ficando realmente preocupado e contei à minha mãe sobre o que ela havia dito. Ninguém me levou a sério. Ela estava muito triste; era esperável que falasse esse tipo de besteira. No dia seguinte, voltaria a frequentar a escola. Talvez a companhia de outras crianças fosse deixa-la melhor.

  Tive um mau pressentimento, mas o que eu poderia dizer? Que minha irmã seria uma ameaça perto das outras meninas? Naquela manhã, o telefone tocou. Era a diretora da escola. Pelo tom de voz, parecia desesperada. A mulher estava gaguejando tanto que demoramos para entender o que queria dizer. Ficamos tão chocados quanto ela.

  Julia havia sido encontrada no pátio da escola, quando todos os outros alunos estavam em sala de aula, exceto por ela e Sarah. Ela estava ajoelhada ao lado da amiga inconsciente, que sangrava de um ferimento na cabeça após ter sido empurrada violentamente no chão de concreto. Sorrindo, minha irmã tirou a peruca ensanguentada dela e estava colocando-a quando os funcionários chegaram e a prenderam.

  Cinco anos se passaram desde então. Hoje, Julia mora em uma instituição psiquiátrica para crianças agressivas. Temos permissão de visita-la em ocasiões especiais. Sempre que a vejo, não posso deixar de reparar em como seus pulsos estão amarrados à cama, e seu cabelo, mantido bem curtinho.