-->

Bem vindo à Família

LPSA

readiscreepy.blogspot.com.br Onde Ler Pode Ser Assustador

quinta-feira, 13 de novembro de 2014

Perfume de Dama-da-noite


Ontem de madrugada, eu caminhava  de volta para casa após uma noitada. Estava cambaleante de tão bêbado, minha visão turva mal era capaz de me guiar pelo caminho. 

Porém, com meus sentidos entorpecidos, eu estava achando aquela noite especialmente bela e misteriosa. A lua cheia e extremamente luminosa banhava a rua deserta com seu brilho prateado e lânguido. Não era possível ouvir nada além de meus passos atrapalhados e um ocasional ruído de grilos. E o perfume de dama-da-noite, aquela flor branca, delicada e venenosa que só exala seu aroma adocicado após o pôr-do-sol, parecia impregnar todo o ambiente, empestando o ar que eu respirava. 


Eu teria apreciado bem mais aquele cenário místico se não fosse pelos pontos negros que se moviam pela minha vista, indicando que eu estava prestes a perder a consciência se não parasse de vagabundear por aí, e a necessidade incontrolável de ir ao banheiro. Parei antes de cair e procurei um matinho para me aliviar. Eu estava perto da área arborizada de um pequeno parque da região, e aproveitando que não via ninguém por perto, fui mijar ali mesmo. 

Dali eu tinha uma visão ampla da praça escura e aparentemente abandonada. Tão pacífica, cercada por silhuetas de galhos que lhe davam um aspecto encantador e ao mesmo tempo sombrio. De repente, uma melodia quebrou o silêncio estagnado. Uma voz feminina, suave ao mesmo tempo penetrante, cantarolava algo em uma língua ancestral que eu não reconhecia. E logo foi acompanhada por um coro de outras vozes alegres de jovens. O canto me embriagou mais do que qualquer bebida conseguiria, e sentei sobre as plantas rasteiras para ouvir, procurando enxergar a origem daquilo. 

Logo as mulheres saíram de seu esconderijo entre a densa mata. Havia uma que parecia ser a líder, usando nada além de um arranjo de flores brancas. Seu corpo nu aparentava reluzir na escuridão, como se ela emitisse luz própria, ou fosse algum tipo de aparição, talvez até um delírio da minha mente embotada, mas não importava. Ela era a criatura mais sobrenaturalmente bela que eu já havia visto. Ela exalava feromônio misturado ao perfume floral, e me atraía como se por magnetismo, mas eu nunca a chamaria de "gostosa", embora ela tivesse curvas perfeitas. Ela era apenas bonita, no sentido mais literal da palavra. Tinha aquela beleza romântica, pálida e desumana, de estátuas esculpidas em mármore puro de divindades gregas que ficam expostas em museus.

As que a seguiam eram quase tão exuberantes como ela, todas nuas como ninfas, na ampla natureza de seu ser que a sociedade moderna tentava oprimir com panos. Saltitando e se movendo em uma dança mística e hipnótica, elas formaram uma roda e deram as mãos. No meio da roda, surgiu do nada um fogo multicolorido e que eu só poderia descrever como mágico. E dentro do fogo, que não fazia-me arder os olhos como chamas mundanas fariam, era possível enxergar uma outra mulher, espectral, de braços erguidos como se abençoasse todas aquelas misteriosas mulheres.

Aquele espetáculo esotérico era maravilhoso de uma forma ameaçadora. De alguma maneira eu sabia que aquele esplendor exalava perigo. Era proibido para olhos mortais, masculinos e impuros como os meus. E eu não deveria continuar vendo. Era uma violação, um crime pelo qual eu iria certamente pagar. Mas meus pés formigavam e meu corpo se recusava a sair do lugar. Minha alma queria continuar ali, presa na teia daquelas lindas aranhas. 

Então, a líder parou subitamente, sibilando, e me encarou com seus olhos sem pupilas, dos quais exalava uma luz que lanterna alguma conseguiria reproduzir. Um sorriso largo se formou em seus lábios perfeitamente desenhados. Ela me viu. Ela devia me fazer pagar, lançando alguma maldição fatal que ela certamente era capaz de rogar, mas pareceu ficar com pena daquele pobre bêbado errante. Sua expressão era de pura compaixão quando ela ergueu o braço translúcido em minha direção, atirando-me uma força que fez com que eu recuasse e minhas pernas corressem independentes do controle de meu cérebro.

A música continuou, misturada agora a risadinhas de deboche.

Voltei são e salvo para minha moradia e passei a noite em claro, pois ao longe ainda conseguia ver a fumaça da cor de delírios doces se dissipando na escuridão noturna.

Hoje retorno ao mesmo local onde testemunhei o ritual oculto, que sob o sol da manhã não parece ter absolutamente nada de especial. Qualquer homem inteligente consideraria aquilo uma alucinação de um bêbado solitário, mas no fundo de minha alma eu sei que foi real. O perfume intenso de dama-da-noite continua no ar.

Desesperado por um resquício, remexo na terra em que as jovens sobrenaturais haviam pisado. E encontro apenas cinzas, misturadas à flores secas, mas que ainda exalam seu aroma. De repente lembrei. Esta praça pública onde estou foi o local aonde milhares de mulheres condenadas por bruxaria morreram ardendo na fogueira, alguns séculos atrás.

2 comentários:

  1. Alguém deu uns tapas fortes na pantera.

    Muito boa a estória.

    ResponderExcluir
  2. Concordo. Isso aí não foi apenas uma pinga. Kkk nem uma maconha. Kkk o cara chapou legal hein

    ResponderExcluir

ENVIE SUA MENSAGEM!