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quarta-feira, 10 de dezembro de 2014

Memórias de um Proxy Pt 2



Os dias seguintes eu reunia toda lucidez que eu podia para ir visitar Anna Karenina. Houve pontos em que eu consegui gritar pelo seu nome.

Nas raras vezes que eu dormia, sempre tinha pesadelos. A maioria deles, com um garoto em uma cadeira de rodas que vinha me visitar, com a metade da cabeça estourada, e me perseguia por um labirinto infinito. E então eu acordava, suado e ofegando.

Estava eu então uma fatídica noite em meio às ruínas do prédio abandonado, tentando evitar a presença maligna de Vespa, quando finalmente tirei minha máscara e a observei. Era uma máscara muito simples, completamente branca, parecida com aquelas de teatro. Aquilo não podia me representar... aquela máscara era meu rosto, e meu rosto não podia me representar assim...

Busquei uma lata de tinta preta que havia no porão e comecei a pintar, com o dedo, um dos olhos. Por usar muita tinta, duas gotas escorreram, formando algo parecido com lágrimas. Xinguei. Usei menos tinta no outro olho, e pintei em sua testa o símbolo do homem de terno: um círculo com um x no meio. Mas algo faltava... No momento lembrei do meu irmão. Ele dizia que um cachorro o perseguia, com um sorriso macabro... sorriso macabro? Aquela máscara seria uma eterna homenagem a meu falecido irmão: pintei então um sorriso bizarro na máscara. E ali, finalmente, estava algo que poderia me representar.

Lembro-me que ansiava para ver Anna. Já não aguentava mais vê-la dormindo. Precisava falar com aquela garota que mudou toda a minha maneira de ver o mundo... eu deixava recados para ela, codificados em forma de poemas, mas ela nunca, nunca me respondia.

Um dia, quando estava para terminar a madrugada, saí do prédio, e segui em direção à casa de Anna.

No caminho, senti que estava sendo seguido. O homem de terno estava atrás de mim, eu podia sentir. Mas eu não ia deixar ele tirar de mim a única coisa que me restara.

Cheguei em frente à casa de Anna Karenina, e como se estivesse me esperando, a vi na porta. Aquilo não podia ser coincidência. Devia ser cinco da madrugada. Quando ela me viu, se assustou, mas quando eu tirei a máscara ela veio correndo em minha direção, com os olhos verdes e arrebatadores cheios de lágrimas.

Nos abraçamos com força por alguns segundos, porém naqueles breves momentos o mundo pareceu parar: foi como se tudo de ruim da minha vida sumisse. Como se o calor de Anna Karenina me protegesse de todas as desgraças do mundo. Durante os breves segundos em que ela estava nos meus braços, a vida pareceu ficar mais feliz.

“Por onde você andou esse tempo todo?” ela perguntou com a voz chorosa

Eu não queria responder. Só queria ficar ali, abraçando-a, sentindo o seu perfume de baunilha, admirando seus lindos olhos verdes e passando meus dedos pelos seus longos cabelos negros como a noite.

“Eu estive com sérios problemas, Anna” respondi “Tudo aquilo que eu te contei... sobre o homem que me observava... você acreditava em mim, não acreditava?”

“É claro que sim, Daniel...”

“Eu estou preso a ele agora, Anna. Eu sou um escravo dele.”

“Escravo?”

“Eu... eu estou matando por ele...”

“Matando?!”

“Sim, mas... não é assim como você está pensando... quer dizer... todas elas merecem, entende? Não sei se o homem de terno sabe disso, mas... elas merecem morrer. E matar quem merece morrer é... gostoso.”

Permanecemos conversando por um tempo, até que eu tive que me despedir. Abracei-a com força, e por cima do ombro dela, vi seu irmão, Edgar, me olhando da porta da casa.

E os meses seguiram. Eu continuava matando brutalmente várias pessoas, uma por uma.

E no dia mais feliz da minha vida, Anna veio ao meu encontro. Ela chegou na porta do prédio, e gritou pelo meu nome. Sinceramente, você não sabe como é bom ouvir seu nome finalmente depois de tantos meses.

Corri para abraça-la, mas Vespa veio junto, e antes que eu pudesse fazer qualquer coisa, ela atacou Anna Karenina. Foi um movimento rápido, e em apenas uma mordida ela arrancou metade do lábio inferior da garota que eu amava. Aquilo foi a gota d’água. E sem pensar duas vezes, eu ataquei Vespa com a minha faca.

Se você nunca viu uma luta entre dois proxies, não sabe o significado da palavra “luta”. Na verdade nem posso descrever aquilo com palavras, pois eu não conheço palavras em nenhuma língua humana que possa descrever aquela noite.

Em um segundo, nõs estávamos em um local muito diferente: uma dimensão cinza, sépia, sem cores, em que diversas crianças nos observavam. O homem de terno estava ali, e eu entendi tudo: eles estavam assistindo a luta. Olhei para Vespa, e ela rosnou. Corri então em direção dela, para um combate incessante que durou muito, muito tempo. Não posso informar ao certo quanto foi, mas quando finalmente acabou, Vespa estava destroçada no chão à minha frente, eu estava de volta ao mundo real, e Anna Karenina me disse que passaram-se meses.

E havia algo diferente: minha lucidez. Minha consciência estava no auge.

Eu não sentia mais a influência do homem de terno sobre mim.

Peguei rapidamente Anna pelas mãos e corri dali.

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