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sábado, 20 de dezembro de 2014

Minha Vizinha Tem Muitos Gatos


Minha vizinha de andar tem muitos gatos, e como a porta do apartamento dela fica bem ao lado da minha, fica difícil ignorar esse fato. Ela é a típica maluca dos gatos. Solteirona, taciturna, e embora eu saiba que ela não é tão velha assim, suas roupas encardidas, fedendo a mofo, e seu cabelo crespo, precocemente grisalho, a fazem parecer uma mendiga idosa. Ou uma bruxa. Essa mulher definitivamente não é normal, e eu acho que ela deveria estar morando em um hospício, não do meu lado.

Eu raramente a vejo sair de casa, mas há uma portinhola na sua porta da frente por onde os gatos podem sair. De dia eles ficam enfurnados lá dentro com ela, mas de noite eles começam a vadiar pelo prédio, camuflando-se nas sombras e assustando quem quer que cruze seu caminho, com seus olhos que brilham no escuro. 

Não sei ao certo quantos gatos ela tem. Já tentei conta-los, mas é como contar estrelas. E são todos bastante parecidos, a maioria é preto. E eu tenho certeza de que eles não gostam de mim. De noite eu os ouço arranhando minha porta, o que pode ser assustador quando se está sozinho. E toda manhã eu saio para ir buscar meu jornal e o encontro todo destroçado, sob meu tapete da frente cheirando a mijo de gato. Acho incrível como ninguém nunca reclamou com essa doida sobre a sua família de felinos, mas parece que eu sou o único que se incomoda.

Essa nem é a parte mais esquisita. Vizinhos normais têm cachorros que latem alto ou bebês que não param de chorar. Isso é irritante, certo? Pois bem, a minha vizinha tem uma coisa semelhante. Mas no seu caso, são os miados de gato bizarramente altos. Aquele som é geralmente agrádavel e fofinho, mas quando você ouve em coro, em tom ensurdecedor e o tempo todo, fica parecendo os gritos dos torturados no inferno. Às vezes, eu até ouço uma voz esganiçada de mulher imitando os miados. Parece que a minha vizinha acha que pode se comunicar com gatos, ou que de tanto ficar cercada pelos bichanos, se tornou um deles.

Acho que você já deduziu que a senhora não tem muitos amigos, né? Nem sei como ela mesma suporta ficar cercada por aquelas criaturinhas que sobem em tudo e pulam em cima das pessoas. Mas acho que ela tem algum tipo de agorafobia, e os animais são sua única companhia. Ela provavelmente gosta mais de gatos do que se seres humanos, eles substituem sua família, e se ela está feliz assim, não tenho nem o direito de esperar que ela se livre deles ou vá embora. Eu é que deveria me mudar.

A única coisa mais perturbadora do que passar o dia inteiro ouvindo ruídos de felinos é de repente deixar de ouvir. Nos últimos dias, tudo anda silencioso na casa da doida, e eu também deixei de ver seus gatos zonzando por aí. Sinto falta deles vindo me incomodar. Isso me provocou a sensação muito estranha de ser vizinho de uma casa abandonada há muito tempo. Os jornais estão se empilhando diante da sua porta, e ela não costumava deixar isso acontecer. Bem, eu duvido que ela tenha se mudado ou viajado com todos os gatos e eu não tenha percebido. Preciso admitir que estou preocupado com a mulher.

                               ***

Isso me deixou inquieto ao ponto de eu tentar descobrir o que está acontecendo lá dentro, se é que está. Então simplesmente fui até a porta dela e espiei pelo olho mágico embaçado. Não sei se consigo descrever o que vi... A mulher estava inconsciente, estendida no chão da sala, e os gatos estavam todos em volta dela, como em um funeral. Demorei um pouco para perceber que eles estavam rasgando sua pele com as garras afiadas e mordiscando sua carne, lentamente. A minha vizinha estava morta há um tempo, dava para sentir o fedor enjoativo de seu corpo entrando em decomposição, e os felinos estavam comendo seu cadáver. Se alimentando da gata mãe, como fariam na selva.

Recuei e caí estatelado no chão, de tão assustado. Minha primeira reação foi discar o número da polícia com as mãos trêmulas. Eles chegaram pouco depois e levaram o corpo da mulher. Não me fizeram nenhuma pergunta, afinal estava bem claro o que havia acontecido ali, e eu havia entrado em estado de choque, encolhido em um canto, com os olhos arregalados. Alguns policiais de estômago fraco vomitaram. E eu só me perguntava o que eles fariam com os malditos gatos, que agora tinham os bigodes encharcados de sangue.

Não sei como consegui voltar para a minha casa e dormir naquela noite. A visão terrível estava congelada no fundo das minhas pálpebras, e o cheiro repugnante de sangue e entranhas não deixava minhas narinas. Só sei que após várias horas sucumbi à exaustão, e acordei não muito depois sentindo uma pontada de dor aguda na perna. Parecia... Que um gato havia me arranhado. Pulei de cama e vasculhei a casa inteira, mas não encontrei nada. O ferimento continuava ali. Três cortes em vertical, abertos e sangrando, claramente o resultado da patada de um felino furioso. Estou. Com. Medo.

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