-->

Bem vindo à Família

LPSA

readiscreepy.blogspot.com.br Onde Ler Pode Ser Assustador

segunda-feira, 26 de janeiro de 2015

A Estátua de Cemitério



Fotografado no Cemitério da Recoleta, em Buenos Aires. Créditos: Misaki Mei AKA Laura Tude.

Minha tia-avó, Josephina, era uma moça de inigualável beleza, que apenas aumentava com a idade. Ela teria se tornado uma bela mulher, talvez uma celebridade de Hollywood. Infelizmente, foi acometida por uma forte pneumonia e faleceu no auge de seus 18 anos, e assim, seus traços joviais e delicados ficaram congelados em nossa memória. 


Seus pais, abalados, gastaram uma fortuna para contratar um excelente escultor. Este conseguiu representar a imagem perfeita de como era a moça em vida, porém na pose exata na qual ela foi encontrada morta em sua cama. Chega a ser perturbadora a forma como cada poro de sua pele suave foi meticulosamente moldado em gesso. Ninguém jamais esqueceria de sua estonteante beleza. 

A estátua foi colocada sob a tampa de seu túmulo, e de tão encantadora, se tornou um célebre ponto turístico. Não demorou até que inventassem alguma lenda urbana sobre a obra de arte. Dizem que, se ouvir com atenção, é possível escutar lamurios abafados vindos do interior da estátua. Ocasionalmente, um choro desesperado ecoa pelas paredes da pequena sepultura, como se a moça estivesse pedindo socorro do além. Besteira.

Mas ninguém suspeita qual é a verdadeira história aterrorizante por trás da estátua. Eu a descobri por acaso, remexendo em um antigo baú que se encontrava nos fundos do porão da minha casa. Ele fora trancado com um cadeado pesado de ferro maciço, mas que, de tão enferrujado pelo tempo, abriu sozinho quando eu o toquei. Eu só me pergunto o porque de quererem proteger tanto um simples baú de roupas. 

Me perguntei se havia, sei lá, um esqueleto lá dentro. Mas quando levantei a tampa de madeira, me deparei apenas com uma pilha de vestidos mofados, que pertenceram, com certeza, à Josephina. Fui retirando-os cuidadosamente, pois eram tão velhos que eu tinha a impressão de que o tecido macio poderia desfazer-se em minhas mãos. Nada de extraordinário, exceto pelo fato de que haviam sido mantidos intocados por décadas, e eu estava violando aquele pequeno santuário. Ainda assim eu continuei remexendo, pois algo me dizia que havia um segredo enterrado sob todos aqueles tecidos finos. O motivo pelo qual aquele insignificante baú permaneceu escondido por tanto tempo. Superstição? Respeito pela falecida? Parecia algo mais importante do que isto. 

Quando finalmente minhas mãos tocaram o sólido fundo de madeira, comecei a tatear, e logo encontrei um misterioso envelope, cujo papel amarelala ao longo dos anos. Não havia o nome do remetente, apenas um antigo selo de cera derretida lacrando a carta, desses que eram carimbados com o brasão de famílias tradicionais. Eu nunca havia visto um daqueles, tampouco reconheci o símbolo que estava marcado nele. Rompi-o com cautela, pois estava curioso para ver do que se tratava a carta esquecida. Eram apenas algumas linhas, escritas apressadamente, com o que parecia ser caneta tinteiro vermelha. Com algum esforço, consegui ler os garranchos:

"Minha amada Josephina,

Por favor, me perdoe. Não consegue compreender que tudo o que eu fiz foi por amor à você, para o seu bem? Eu eternizei sua beleza. Todas as outras beldades estão fadadas a envelhecer e desbotar. Mas você tem o privilégio de ser bela para sempre. Uma verdadeira estátua viva. Por que, então, está tão furiosa? Não é suficiente?

Até fiz questão de que você não sentisse nada. Apliquei-lhe uma overdose de anestesia, e rapidamente, sem nem se dar conta, você perdeu a consciência. Então, posicionei seu corpo como se estivesse dormindo profundamente, e comecei a trabalhar em minha obra de arte... Carinhosamente, untei cada centímetro de seu corpo com gesso, que rapidamente endureceu. No fim, você parecia um daqueles monumentos de deusas gregas. Tão bela, tão imaculada. Imortalizada.

Eu ouvi seus guinchos abafados vindos do interior da cobertura sólida, à medida que você despertava. Mas eu sabia que sua agonia seria temporária, porque era impossível respirar ali. Fugi, pois sabia que em breve seus pais voltariam para casa e se deparariam com a sua estátua hiperrealista. Foi fácil encobrir a verdade e posicionar seus verdadeiros restos mortais em cima de um caixão vazio.

Toda noite eu vou visitá-la, admirar seus traços tranquilos iluminados pelo luar prateado. Mas... Posso ouvir você me chamando, impaciente. Eu sei o que você quer. Minha vida já se tornou sem sentido, de qualquer forma. Te vejo no Além, Josephina. Espero que possa me perdoar."

A carta tem a assinatura do namorado de minha tia-avó, que se suicidou pouco depois da morte misteriosa dela. Dizem que ele não conseguia mais suportar... A saudade.

0 comentários:

Postar um comentário

ENVIE SUA MENSAGEM!