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terça-feira, 20 de janeiro de 2015

“Acluofobia”


Dizem que quando a morte chega, você pode ver uma luz no meio da escuridão. Queria eu que fosse isso verdade. Encolhida no canto da cama, o medo não me deixa nem mover meu braço para pressionar o interruptor.

Acordo subitamente, coberta de suor. Minha cabeça está pesada, meu coração acelerado, e sinto muita dificuldade para respirar. Olho pela janela. As ruas de Porto Alegre estão quietas e sombrias na madrugada. Recosto minha cabeça no travesseiro e enxugo uma gota de suor da testa. Que merda foi essa? Já era a quinta vez que isso acontecia na semana. Eu sabia que havia sido um pesadelo, mas... não conseguia entender. No sonho eu era uma criança, deitada numa cama em um quarto escuro. Ouvia choros vindos das paredes, e risadas ao mesmo tempo... e uma sensação de medo muito forte, quase incontrolável.


Já acordada, olho para os lados, e toda aquela escuridão do meu quarto começa a me deixar apavorada. Quer dizer, sempre fui relativamente corajosa, mas é sério, aquelas sombras estavam me causando calafrios. Vejo formas se fundirem e se transformarem em meus maiores pesadelos, vejo as sombras se alastrarem pelo meu pescoço e me sufocarem, vejo-me cega pela escuridão...

Acendo as luzes e vejo meu quarto vazio, calmo, como sempre foi. Sento-me na beirada de minha cama, e permaneço com as luzes acesas, observando a janela até que o dia amanheça.

Era a quinta vez que aquilo acontecia na semana. Não podia ser normal. Estou na sala de espera do psiquiatra. Mesmo sendo dia, ainda estou com um pouco de medo. Tento não piscar, pois não quero escurecer minha vista.

“Laura Junqueira?” Ouço uma voz me chamar.

“Sim, sou eu!”  Respondo.

A recepcionista me leva até uma sala num corredor mal iluminado. Reparo que minhas mãos estão suadas.

Um senhor de meia-idade abre a porta e sorri para mim. Sorrio de volta, porém é mais pelo fato da sala dele ser bem clara do que pela simpatia do médico.

O psiquiatra conversa comigo. Passamos pouco menos de uma hora ali, e eu o relato todas as minhas últimas cinco noites, e todas terminam da mesma maneira: eu passando as duas últimas horas da madrugada acordada, com todas as luzes do apartamento acesas, esperando amanhecer.

Ele faz um diagnóstico estranho, dizendo que eu sofro de um transtorno cujo nome minha mente é incapaz de gravar, e pede para que eu volte na semana seguinte, e tente relatar mais sobre os meus sonhos, para que possamos encontrar a causa daquilo tudo.

Após um cansado dia de trabalho, chego no meu apartamento, tomo um banho e vou me deitar. Fico quinze minutos observando o interruptor, brigando comigo mesma para apagar as luzes. Quando eu faço, sinto uma corrente de pavor transpassar meu corpo, então corro para debaixo das cobertas. A noite vai começar.

Minha mente está em estado de alerta. As sombras o meu redor parecem dançar. Vejo algo se formar no escuro. Seriam olhos? Não, não pode ser. Me agarro cada vez mais aos cobertores. Estou suando frio. Minha mente começa a criar imagens horrendas. Vejo figuras horripilantes sendo formadas pela escuridão, e... uma criança. Uma criança? Sim! Mas que porra é essa? Tem uma criança no meu quarto! Um calafrio grotesco percorre meu corpo, e eu grito. É uma criancinha pálida, de olhos negros. Ela sorri para mim, com uma certa malícia no olhar. A expressão daquela criança me rasga no meio, eu começo a sentir formigamentos pelo meu corpo. Estou chorando. Olho meus braços... eu sou uma criança também. Uma pequena criança indefesa perdida na imensidão daquele quarto vazio e escuro. 

Estou chorando. Meu choro parece alimentar ainda mais as sombras, e sinto uma zombaria no ar. Olho para frente de novo. A criança ainda está ali. Meu corpo inteiro treme, quando eu percebo que estou na verdade olhando para um espelho. Um espelho no meio do quarto. A criança que eu estava vendo era meu reflexo. Começo a chorar cada vez mais alto. O espelho se quebra, e... eu caio da cama, acordando de súbito. Tudo não passa de um sonho. Corro através do quarto pintado de preto pelas sombras da madrugada, e encontro meu porto seguro: o interruptor. Acendo as luzes com um suspiro de alívio, e o medo se esvai de mim através de lágrimas. Sento-me na cama, abraço meus joelhos, e passo mais três horas ali, sentada, esperando o amanhecer. Os raios de sol nascem em Porto Alegre, e eu sinto que finalmente posso relaxar.

Olheiras. Olheiras estão cavando o meu rosto. Olheiras estão se tornando parte de mim. Aquilo não pode continuar. Durante o dia, passo numa farmácia e compro não sei quantas caixas de Prozac. À noite, estou preparada para a batalha: viro as não sei quantas caixas de Prozac na garganta, sem nem me preocupar se aquilo vai me fazer mal. De jeito nenhum eu vou acordar essa noite. Após alguns minutos esperando o remédio fazer efeito, apago as luzes, e sinto aquela velha e desconfortável sensação de pânico me engolir junto com as sombras projetadas na parede. Viro-me para correr para a cama, porém uma grande náusea toma conta de mim. Começo a cambalear, enjoada. Meus músculos se relaxam, e eu caio no chão, desesperada. 

Eu devia ter lido a bula do remédio. Estou estirada no chão frio, descoberta, com uma dificuldade enorme de me mover, e completamente nauseada, como se o mundo ao meu redor girasse. Começo a me arrastar pelo chão, e a escuridão vai tomando cada vez mais o meu ser. Minha mente começa a brincar comigo de novo. Ouço vozes. Choros. Sussurros. Risadas. Meu corpo está pesado, já não consigo mover meus braços, e em poucos segundos minhas pernas entram na brincadeira, e não se movem mais. Meu coração bate a mil por hora. Estou chorando, apavorada. Estou morrendo. Uma dor muito forte toma conta do meu peito, e eu fecho os olhos, gemendo. Abro meus olhos, respirando pesadamente, e mesmo com os olhos abertos, tudo ao meu redor está escuro. Minha respiração está muito pesada. Estou morrendo... estou morrendo. Não sei mais o que é sonho, o que é realidade, ouço vozes ao meu redor, rindo de mim, zombando de mim. Meu peito explode em uma dor agoniante, vejo de novo crianças perto de mim, rindo e chorando ao mesmo tempo, enfiando as mãozinhas no meu peito e me matando aos poucos.

Dizem que quando a morte chega, você pode ver uma luz no meio da escuridão. Queria eu que fosse isso verdade. Jogada no chão do meu quarto, não consigo nem ao menos mover meu braço para pressionar o interruptor. Chorando, apavorada, dou meu último, agonizante e doloroso suspiro, envolta somente pelo meu maior medo: a escuridão.


Revisado por: Klayton Sá

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