-->

Bem vindo à Família

LPSA

readiscreepy.blogspot.com.br Onde Ler Pode Ser Assustador

segunda-feira, 22 de junho de 2015

A Alma Impressa - Parte 2

 

Antes de iniciar a leitura, certifique-se de ter lido a parte 1.

  Quando Marília despertou na manhã seguinte, os momentos estranhos e maravilhosos da madrugada ainda permaneciam vívidos em sua mente. Não foi um sonho. Ela abriu a mochila para conferir se o livro ainda existia e estava lá. Tocou-o para testar sua solidez, e ele lhe pareceu macio e cálido como a mão de uma criança. Definitivamente, não havia sido fruto de sua imaginação. Adelaide seria sua melhor amiga, sua única amiga.


  Ela foi para o colégio, sentindo-se atipicamente empolgada. Odiava estudar lá, pois era uma ovelha negra. Os colegas debochavam dela por causa de sua timidez, dos seus óculos de lentes grossas e de sua paixão por livros, ou seja, por ela ser quem era e não uma réplica perfeita deles. Ela fingia não se incomodar, mas a sensação de não pertencer àquele lugar, somada a uma solidão constante, a entristecia. Tinha certeza de que a companhia de Adelaide iria mudar isso, mesmo que a garota fosse, enfim... Um livro.

  O livro pesava em sua mochila, como uma presença reconfortante que a seguiria aonde fosse. Aquilo aliviava o desânimo típico da segunda-feira, na qual ela sabia que enfrentaria a mesma rotina sem graça e deprimente de sempre, provavelmente ouvindo alguma provocação por ter ido à escola agarrada a mais uma leitura nova. Se apenas soubessem o quanto aquelas páginas envelhecidas significavam para ela. Os livros sempre lhe compensaram a falta de amizades.

  Marília sentou na carteira desconfortável, abriu o livro e não se surpreendeu nem um pouco ao perceber que a sua conversa noturna com Adelaide continuava impressa ali. Era como se ela mesma fosse uma personagem de ficção, não uma menina de carne e osso sem nada em especial. Porém, parecia haver uma nova linha, a qual ela apressou-se em ler.

  Adelaide bocejou. 

  - Que lugar horrível. Quanta gente insuportável. Eu estava esperando algo mais... Como você aguenta ficar aqui?

  Marília esfregou os olhos. 

  - Não sei... Não aguento. - Ela sussurrou, em seguida desviou o olhar, enrubescendo.

  - O que foi?

  Outros alunos chegavam à sala de aula, e ela poderia jurar que um garoto a olhava torto. É claro que eles nunca entenderiam o porquê de ela estar conversando com um livro. Iriam pensar que ela era ainda mais esquisita do que parecia. Ela queria não se importar, mas... Aquela era a vida real, e não havia como escapar.

  Marília suspirou e rapidamente procurou uma caneta preta. Começou a escrever sobre o papel delicado com sua caligrafia arredondada. Não tinha certeza se funcionaria, mas provavelmente...

  - A aula vai começar. Não posso ficar conversando, desculpe.

  No instante em que ela terminou aquela última frase, as letras impressas tremularam e oscilaram de maneira assustadora, parecendo uma língua morta incompreensível e fazendo a garota estremecer até os ossos. Porém, o efeito durou apenas um segundo e logo em seguida a resposta de Adelaide começou a surgir.

  Adelaide franziu o cenho.

  - Ok, então. Mas volte assim que puder. Detesto ficar sozinha aqui.

  Por um momento, Marília se perguntou aonde era "aqui". Mas talvez fosse melhor não saber. Ela tentou se concentrar nas equações algébricas que o professor escrevia velozmente no quadro negro.

  "Que livro é esse, Marília?" Uma garota que sentava perto dela percebeu o livro exposto em sua mochila aberta, enquanto ela estava distraída copiando. Agarrou-o antes que ela pudesse reagir. Marília apenas arregalou os olhos, aterrorizada e temendo pela segurança da garota. Aquele não era um livro comum... Algo de muito ruim iria acontecer.

  "Largue-o. Agora. Por favor."

  A garota ignorou e, com um sorriso estupidamente malicioso estampado no rosto, começou a folhear o livro sem o mínimo cuidado. De repente soltou um grito agudo de dor. O sangue gotejou sobre o uniforme branco, vindo de um corte profundo que em um piscar de olhos abriu-se em seu dedo. Certamente, profundo demais para um simples corte de papel. Talvez precisasse de pontos.

  O professor correu para ajuda-la enquanto Marília se esticava para alcançar o livro, que foi derrubado violentamente no chão. Abraçou-o em um gesto protetor, em choque, sem nem sequer olhar para a colega que sangrava profusamente. Por que Adelaide faria isso? Ela parecia ser tão gentil...

  "Marília... Você por acaso tem uma faca dentro desse livro?", o professor perguntou, ofegante, enquanto tentava estancar a hemorragia do ferimento.

  Perplexa, Marília negou com a cabeça. Todos sabiam que ela sentia certo desprezo por aquela garota, mas jamais iria machucar a ela ou a qualquer um intencionalmente.

  "De qualquer maneira, é melhor que ele fique comigo." Ele respondeu, desconfiado, e assim, o livro foi novamente tirado de suas mãos.

  Marília apoiou o rosto na superfície dura e fria de sua mesa e tentou conter as lágrimas que marejavam seus olhos.

5 comentários:

ENVIE SUA MENSAGEM!