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quarta-feira, 17 de fevereiro de 2016

A segunda voz do vovô



Quando eu era pequena, eu e meu avô costumávamos assistir àqueles programas de TV de bizarrices médicas. Você sabe, aqueles que mostram vacas de seis pernas ou bebês que nasceram sem pele e ainda conseguem sobreviver. Alergias estranhas, mutações genéticas, até aquelas situações tragicômicas de "bem, o médico fez uma grande burrada, esqueceu equipamentos cirúrgicos nas suas entranhas e você está assim há cinco anos." Eles eram educativos e nojentos ao mesmo tempo, algo pelo qual perdi o interesse na pré-adolescência.

  Vovô sempre fazia piadas dizendo que ele deveria estar em um daqueles programas. Eu sabia que ele não falava sério - ele odiava chamar atenção para o seu problema. Eu me distraía imaginando que título eles dariam a um episódio sobre o caso dele, e sempre escolhia um título sem graça e retrô, "O Homem Com Duas Vozes".

  Desde que qualquer membro da minha família consegue se lembrar, vovô sempre teve "duas vozes". A única maneira como consigo descrever é comparando a quando você está doente e fica com catarro na garganta, e como às vezes isso bifurca a sua voz. Tem a sua voz normal que você consegue ouvir perfeitamente, mas por baixo dela parece haver um eco profundo e gutural. Então some quando você limpa a garganta. Meu avô é assim o tempo todo, mas a sua "segunda voz" é tão alta quanto a normal.

  Eu me lembro dele me contando histórias de quando ele era muito mais jovem, sobre como sua mãe arrancava os cabelos de preocupação. Levou-o a médicos que enfiavam-lhe instrumentos e lanterninhas pela traqueia - e nada. Raios-X primitivos de seu pescoço - e nada. Eu costumava perguntar porque ele não procurava os médios desde então, especialmente agora com todos os avanços da medicina que ainda não existiam no tempo dele.

  Ele sempre me dava a mesma resposta:

  - Eles não me diriam nada de novo.

  Nós chamávamos a segunda voz de "Ed". O nome do meu avô era Albert, e seu apelido era Al, então soava como um programa de comédia. Ed & Al. Al & Ed.

  Quando vovô morreu, foi trágico. Apesar de sua anomalia vocal, ele tinha toneladas de amigos e pessoas que o amavam. Ou, como minha cética mãe diria, pessoas que gostavam de sua "atração de circo".

  Seu ceticismo - de que vovô estava sempre fazendo algum truque barato - foi rapidamente desmentido na autópsia.

  Descobrimos que vovô deveria mesmo ter procurado um médico. Um ultrassom teria indicado que sua barriga de cerveja não era realmente causada pela bebida, e que sua "segunda voz" era literalmente uma outra voz. O pequeno e encolhido corpo de seu gêmeo desconhecido estava implantado dentro de sua barriga, ligado ao seu esôfago por baixo da clavícula. Os médicos da infância não conseguiram detecta-lo.

  Foi esclarecido, então, que o tubo oco conectando a boca do gêmeo de vovô ao esôfago dele era a origem da segunda voz. Uma voz que continuou falando alguns dias após a morte dele, de acordo com o médico legista. Ed ainda sobreviveu por mais algum tempo.

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