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sábado, 16 de agosto de 2014

O Guitarrista


Tudo o que Kevin queria era ser como o seu ídolo. O incrível Kurt Cobain, membro do Nirvana, que se perdeu para as drogas e para a escuridão muito antes do seu jovem fã nascer.

Mas para isso, não bastava força de vontade. Era preciso talento, um talento que ele sabia que não tinha. Mas poderia desenvolver, certo? Afinal, era impossível que alguém simplesmente nascesse sabendo tocar a guitarra elétrica com a perfeição de um dom.


Kevin se tornou obcecado pela ideia de não apenas imitar, mas se tornar Kurt Cobain. O adolescente de cabelos louros compridos queria se tornar um sósia do famoso guitarrista, mesmo que não tivessem muitas características em comum, nem na aparência e muito menos na habilidade com a guitarra. 



Afinal, Kevin realmente havia se dado ao trabalho de comprar uma lustrosa guitarra de modelo idêntico ao de Cobain, mas tudo o que conseguia fazer era desafiná-la ao tentar tirar dela as melodias do Nirvana. 



O garoto fez de seu quarto isolado seu pequeno "estúdio" pessoal e passava o dia inteiro enfurnado lá dentro, fazendo ruídos estridentes e desagradáveis com sua guitarra que serviam apenas para causar dores de cabeça em seus pais. Ele se afastou de todos os amigos e parecia estar enlouquecendo. Mas todos achavam que ele era apenas um adolescente comum, lidando com hormônios e com uma paixão insana por uma banda e um artista que nem sequer existiam mais.



Quando ele não estava dedilhando o instrumento, estava na internet lendo todo tipo de besteira sobrenatural. Tornou-se fascinado pela Goethia, a arte de invocar demônios e outros seres obscuros. Alguns textos misteriosos sobre pactos e invocações fizeram com que o jovem alucinado pensasse que a solução para o seu problema poderia ser conseguida com um ritual satânico.



 Ele tentaria invocar o espírito de Kurt Cobain, que de acordo com lendas havia entregado sua alma perturbada ao demônio, e assim seu ídolo poderia lhe ensinar pessoalmente como encarnar o seu talento. É, ele estava levando aquela ideia bem a sério.


Pela internet, mais especificamente, pela Deep Web, ele conheceu o mercado obscuro dos misticistas, exorcistas e satânicos, e lá pode comprar os itens dos quais precisava, que não eram exatamente o tipo de coisa que se encontra em uma loja de conveniências. Papiro de figueira, uma caneta de pena feita com osso de cordeiro esculpido, e um potinho de tinta vermelha que diziam ser sangue de crianças sem batismo. Esses objetos simbólicos eram necessários para que Kevin, literalmente, assinasse um contrato com o demônio que levara a alma de Kurt Cobain e poderia trazê-la de volta.

Os leigos pensam que o momento perfeito  para fazer uma invocação demoníaca é meia-noite. De acordo com a crença popular, esse é o momento em que o tecido tênue que separa o nosso mundo e o dos espíritos se rompe. Porém, se o que você realmente deseja é contatar um ser das trevas, em vez de fazer uma simples brincadeira do copo, o horário ideal é 3 da manhã. Como, de acordo com a Bíblia, Jesus foi crucificado às 3 da tarde, 3 da manhã é o momento em que os portões do inferno se abrem e os demônios ficam livres para se misturar aos mortais. Sabendo disso, Kevin fez questão de esperar o momento perfeito, em uma gélida e escura noite de sexta-feira.

Ele sentou-se diante da sua pequena mesa de cabeceira, desembrulhou o papiro, megulhou a ponta da caneta antiquada na tinta de cheiro suspeito e começou a escrever com sua caligrafia garranchuda, às pressas e sem conseguir disfarçar o nervosismo e a ansiedade. Afinal, e se aquela loucura realmente desse certo? Ele era apenas um garoto. Não sabia o que faria.

"Eu, Kevin Miles, estou disposto a pagar qualquer preço para trazer Kurt Cobain de volta aos seus dias de glória por meio da minha carne mortal. Minha alma está agora em suas mãos, maldito Lorde das Trevas."

 Ele furou o seu dedo com a ponta afiada da caneta. Uma pequena gota de sangue brotou. Kevin pressionou o polegar ferido contra o papel, formando uma impressão digital com seu próprio sangue. É assim que se assina uma carta para um demônio. Em seguida, acendeu um isqueiro e aproximou a chama do papel delicado, que se incendiou mais rápido do que ele esperava, preenchendo o quarto com fumaça negra e um cheiro peculiar de enxofre. Tossindo, o garoto pegou um casaco que estava jogado sobre a cama e depois de algum esforço consegui abafar as chamas até que elas se extinguiram. Pronto. A carta havia sido enviada direto para os correios do Submundo.

 Ele não pôde conter uma risadinha maníaca enquanto esperava algum efeito imediato, pegando sua guitarra e tentando tocá-la com seu talento inexistente. A única coisa na qual ele reparou foi que o instrumento estava desafinado. Deixou a guitarra de lado e foi dormir, já cético quanto a tudo aquilo.


Pouco depois, ele foi acordado por uma melodia estranha e magnífica. Parecia algo sobrenatural, mas dava para identificar que estava sendo tocada em uma guitarra comum. A sua guitarra. Ele abriu os olhos, muito acordado. O suficiente para ter certeza de que não estava sonhando. Ele olhou para a cadeira na qual havia deixado sua guitarra apoiada, e viu Cobain em pessoa, ou melhor, em espírito, sentado ali, tocando com seus dedos efêmeros. Era possível distingui-lo na escuridão pois havia uma aura vermelha e misteriosa brilhando ao seu redor.


Quando percebeu que estava sendo observado, o músico largou a guitarra (embora a música continuasse soando como se estivesse vindo de um amplificador), e fez um gesto para que Kevin se aproximasse. O adolescente impulsivo não pensou duas vezes e foi andando lentamente, fascinado e ao mesmo tempo aterrorizado com a aparição. Mal ele alcançou o espectro, Kurt agarrou seu braço, cravando as unhas afiadas e muito sólidas em sua pele. O rapaz perdeu a consciência imediatamente. Quando ele acordou no dia seguinte, não era mais ele quem estava ali. Seu corpo não lhe pertencia mais.


Literalmente de um dia para o outro, Kevin se tornou um Mozart. Ele tocava com perfeição qualquer cifra que lhe dessem. Ele também começou a cantar, e sua voz soava completamente idêntica ao do seu ídolo. Ele começou a fazer pequenos shows em boates. Na primeira noite como um rockstar, ele voltou para casa com uma jovem groupie em seus braços. A garota disse que faria qualquer coisa que ele quisesse, mas ela provavelmente estava pensando em sexo. Kevin a trouxe até o seu quarto e trancou a porta.



Os gritos foram abafados por uma música ensurdecedora. Kevin bebeu o sangue da jovem, que por sorte ainda era virgem. Em seguida ele a esquartejou e usou sua pele, seus ossos e suas tripas para construir uma guitarra humana. Ele guardou a obra de arte em um freezer. Planejava fazer muitas iguais aquela.



Ele continuou naquele mesmo ritmo e sua fama foi crescendo. Logo, Kevin Cobain se tornou o imitador mais conhecido do mundo. Ele até compôs algumas músicas de autoria própria, sempre seguindo o estilo de seu ídolo. E cada vez mais, sua mórbida coleção aumentava.



Mas por que ele fazia aquilo? Ele não era nenhum psicopata. Na verdade, precisava daquela matança para se alimentar e se manter forte.



O espectro que apareceu naquela noite não era realmente o vocalista do Nirvana.

1 comentários:

  1. Nota da autora: Pactos com o diabo são perigosos. Crianças, não tentem isso em casa.

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