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segunda-feira, 9 de fevereiro de 2015

A Guarda da Rainha - Parte 1


Isso aconteceu com o meu genro há três anos. Estou contando a história exatamente da mesma maneira como ele me contou. Parecia bem autêntica quando ele me contou, e, sabe, depois do que eu experienciei, não tenho nenhuma razão para duvidar dele. E você, também, pode ler e tirar suas próprias conclusões.

Eu estive no Exército Britânico, entende? Dois turnos no Iraque, um no Afeganistão. Minha mãe detestava a vida que eu escolhi, e eu não posso culpá-la. Mas sabe o que mais? A parte mais fodida é que o pior horror pelo qual eu já passei não foi em nenhum desses locais remotos de merda, não, foi bem no âmago da "civilização" europeia, Londres.

Quando eu terminei o meu terceiro turno, fui promovido. Aparentemente, sobreviver uma batalha em uma serra no Talibã é razão o suficiente para ser honorado. Eles me ofereceram uma vaga na Guarda da Rainha. Eu não sei o quanto você sabe sobre isso, mas na Inglaterra, é uma parada bem importante. E eu odiava. Eu estava permanentemente preso em casa, e como uma recompensa por minha "bravura" eu agora tinha de ficar parado em frente a prédios, inerte, enquanto turistas chineses irritantes tentavam me fazer rir.

Eu queria pedir demissão, mas devido à honra da posição, somada à alegria de minha mãe pelo fato de que o maior perigo que eu poderia enfrentar seria um turista asiático, eu não tinha escolha alguma além de aceitar. Se eu soubesse que estaria mais seguro em uma caverna no Kabul...

Então eu exercia meu trabalho na Torre de Londres algumas vezes por semana. O expediente costumava durar umas duas ou três horas, dependendo da quantidade de pessoas que transitavam por ali no dia. Tenho de admitir, essa profissão cansa rápido. Pessoas bêbadas que tentam te incomodar junto à turistas irritantes que pensam que são os primeiros que já tentaram te arrancar um risinho, simplesmente torram a paciência. Mas era um emprego, e bem pago, então eu só aguentava calado e seguia em frente.

Mas esse dia específico de 2012, começou entediante como qualquer outro. Eu tive uns caras franceses me provocando (Deus, eles são os piores, e você não pode fazer nada a não ser que eles te ameacem), seguidos por um grupo de garotas russas bêbadas que não eram tão ruins. O calor já estava começando a derreter aquela merda de chapéu para dentro do meu crânio quando um grupo enorme de turistas apareceu.

Algum tipo de tour guiado, eu supus. Eles fizeram o lengalenga de sempre, fotografaram, fizeram caretas "engraçadas" para mim, piadinhas, etc. Eles todos traziam câmeras, e vestiam a mesma camiseta, "Big Ben Tour" ou algo do tipo. Todos exceto por uma. Eu percebi ela em pé ao fundo, apenas me encarando. Ela era uma mulher bonita, provavelmente com uns 40 e poucos anos, com cabelo comprido bem escuro e pele meio pálida, que me fez achar que ela era inglesa. Ela parecia fazer parte da excursão pois veio acompanhada por todos os outros.

Quando o grupo tirou fotos os suficiente e percebeu que eu não ia rir, eles começaram a ir embora. Menos a mulher pálida, que se manteve parada no mesmo lugar, me observando. Olha, eu já havia visto turistas fazendo todo tipo de estupidez para conquistar minha atenção, mas essa era nova. Acima de tudo, a mulher era determinada. Duas horas e centenas de turistas depois, ela continuava imóvel lá, sem desviar os olhos de mim. O dia ficou bem quente e não havia como ela estar confortável, mas acredite ou não, ela estava mais calma do que eu.

Ela não sorria, o que era estranho, pois eu podia jurar que ela estava tentando me fazer reagir. Após meia hora, quando a multidão ao meu redor lentamente se dispersava, ela deu um passo lento na minha direção. Depois outro. "Aqui vamos nós, piada boba chegando", eu pensei enquanto ela se aproximava demoradamente. Ela parou a uns 5 metros de distância. Ela estava olhando fundo nos meus olhos. Inclinou a cabeça para a esquerda, depois para a direita, o que eu pensava ser a tentativa dela de me tirar do sério. Então eu percebi que a mulher não estava ali para me zoar.

Ainda parada diante de mim, ela começou a se inclinar na minha direção. Havia uma coisa tão errada sobre a maneira como ela se mexia que estava me deixando extremamente inquieto.  Ela nunca perdia o contato visual comigo. Ela continuava se aproximando de mim enquanto seus pés não se moviam. Seu rosto parou a poucos centímetros do meu e sua posição parecia muito inatural naquele ponto. Sua cabeça começou a tremer devagar, como quando você sai de uma piscina ou de um banho e está congelando, sabe?

E então, ela me assustou pra caralho. Eu já lidei com pessoas gritando na minha cara, até mesmo com um retardado tentando lutar comigo, mas o que ela fez foi de longe o pior. Ela abriu sua boca como se estivesse para berrar a plenos pulmões em cima de mim, mas nada saiu. Nada. Ela só ficou ali, inclinada em um ângulo surreal, com a face quase tocando a minha, soltando um grito silencioso ou o que diabos estivesse lá pela boca escancarada. E agora a velocidade do balançar de sua cabeça estava aumentando.

Agora, honestamente, admito que apesar de que era um dia de muito calor, eu comecei a ficar com frio e senti calafrios percorrendo a minha espinha sob o uniforme. Quando eu finalmente me recuperei um pouco, comecei a marchar para longe dela - nós temos permissão para marchar 10 passos ocasionalmente. Assim que terminei meu trajeto, eu parei e fechei os olhos. Eu só queria que ela tivesse desaparecido quando eu me virasse.

Quando eu dei uma volta de 180 graus, fiquei instantaneamente paralisado. Ela estava bem na minha frente, com a boca mais aberta ainda e com a cabeça agora meneando incontrolavelmente. Eu estava tão aterrorizado, que não consegui reagir. Eu posso aguentar barulhos e gritos, mas aquele comportamento quieto e bizarro me intimidava de verdade.

"Abra alas para a Guarda da Rainha!". Eu gritei.

Nós podemos dizer isso se há alguém bloqueando nosso caminho. Ela não fez nada além de se inclinar um pouco mais na minha direção.

"ABRA ALAS PARA A GUARDA DA RAINHA!" Eu repeti ainda mais alto, torcendo para que minha voz não falhasse.

Ela ignorava completamente minhas ordens. Me recusando a lidar com aquela merda por mais um segundo, eu recuei e apontei minha baioneta na direção dela. Aquele era nosso último recurso para afastar turistas irritantes. Ela imediatamente fechou a boca e voltou a uma posição humana. Eu não ia esperar para ver o que quer que ela fosse fazer, então eu continuei a marchar. Quando eu retornei ao meu posto, eu me virei e fiquei parado. Eu não podia vê-la pelo canto do olho, o que já me proporcionava um imenso alívio. Jesus, essa porra de emprego..., eu pensei para mim mesmo, Eu terei de dar um jeito...

"10, 9, 8." Alguém sussurrou na minha orelha direita. Tinha que ser ela. Ela estava atrás de mim.

"10, 9, 8." Agora foi no ouvido esquerdo. Os arrepios me dominaram de vez. Irônico, não é? Veterano de combate, matei mais pessoas do que gostaria de admitir, e agora estava assustado por algo um tipo de turista maluca.

"10, 9, 8. 10, 9, 8. 10, 9, 8." Ela murmurava mais rápido. Então se posicionou na minha frente. "10, 9, 8, 10, 9, 8." Agora os sussurros vinham em uma velocidade aterradora. Na verdade, murmúrios não definem muito bem. Era como se ela estivesse gritando, mas em tom de sussurro, se isso sequer faz sentido. Era tudo muito surreal. Ela aproximou seu rosto do meu novamente, pronunciando aqueles números freneticamente.

Eu estava quase burlando as regras. Já não aguentava mais. Havia alguma coisa muito fodida sobre essa mulher, e eu não conseguia lidar com ela.

"Madame", eu falei com uma voz de bichinha assustada, "Madame, você poderia por favor se afastar..."

E então, um grupo grande de turistas barulhentos se aproximou de nós. A mulher doida se reclinou, ainda com os olhos fixos em mim. Ela sussurrou "10, 9, 8" mais uma vez sem nunca romper o contato visual. Em seguida foi embora, caminhando lentamente em volta de mim. Foi tão estranho vê-la se misturar e desaparecer em meio à multidão. Tudo o que restou foi uma sensação peculiar de que algo incomum havia acontecido. Daí, veio um bando salvador de turistas asiáticos. Nunca imaginei que me sentiria tão feliz em ver um chinês fotografando.

Depois que meu turno acabou, eu entrei na base e contei a estória para alguns colegas. Eles todos haviam tido alguma experiência com gente esquisita, mas não nesse nível. Quando nosso comandante chegou, os caras mais debochados disseram a ele sobre como eu havia sido "abusado" no trabalho.  Ele queria dar umas boas risadas, então me perguntou mais detalhes. Mas quando eu contei minha versão da história, seu sorriso murchou.

"Espera, espera." Ele disse. "Você falou com ela?"

"Senhor?" Eu questionei, intrigado.

"Filho, você falou ou não com aquela mulher?"

Eu não iria abrir mão de meu pagamento semanal por causa daquela estúpida regra de não dizer nada, então menti.

"Claro que não, senhor."

Ele pareceu se acalmar. "Bom. E se ela voltar, nunca responda, entendeu? Isso vale para todos vocês."

A atmosfera divertida rapidamente se dissipou. Eu estava confuso, mas acima de tudo, cansado, então decidi voltar para casa e dormir em vez de me preocupar com turistas insanos do caralho. Os próximos turnos passaram tão chatos quanto eles deveriam ser. A mulher não deu mais as caras, e como minha namorada estava vindo da Holanda para me visitar, eu resolvi simplesmente esquecer o incidente.

Na madrugada de terça, umas 3 da manhã, eu fui acordado por alguém batendo alto na porta da frente. Por alguma razão estranha, meu primeiro pensamento foi de que era aquela mulher maluca de uma semana atrás.

"Amor, você se incomodaria em ir ver quem é?" Eu perguntei preguiçosamente enquanto gentilmente empurrava minha namorada. Ela estava dormindo como uma pedra, eu juro que nada a acordaria. Semi-consciente, eu cambaleei pelo corredor até chegar à porta.

"Quem é?" Eu sussurrei enquanto olhava pelo olho mágico, mas estava escuro demais lá fora para enxergar qualquer coisa. Aquilo me deixou mais acordado. "Quem é?" Eu perguntei novamente, mas a única resposta que recebi foi uma batida mais alta.

"Foda-se." Eu pensei enquanto respirava fundo e abria a porta.

Havia milhares de coisas com as quais eu esperaria me deparar diante de mim naquele momento.  E era justamente a única pessoa que não passou pela minha cabeça quem estava lá.

Minha namorada.

Eu devia tê-la ido buscar naquela noite.

Eu quase perdi o controle das minhas pernas. Mil de pensamentos bombardearam minha mente, que estava tendo dificuldade em compreender o que exatamente estava acontecendo naquele momento.

"Obrigada por me buscar no aeroporto, cuzão." Minha namorada disse enquanto jogava a bagagem no meu peito. Eu continuava perplexo. "Então, eu viajo de Amsterdã até aqui só para te ver, e você esquece? Sério?"

Eu não estava ouvindo. Eu sabia que estava meio dormindo quando levantei, mas HAVIA alguém ao meu lado na cama. Eu tinha certeza de que não estava sonhando.

"Fique aqui." Eu murmurei enquanto lhe devolvia a mala.

"O que foi?"

"Só não saia daqui."

Sem saber como eu consegui coragem para voltar para meu quarto, eu lentamente caminhava. Eu sei o que você está pensando - em filmes e livros de terror, o cara sempre entra no cômodo e boom, está vazio, não é? Bem que eu queria ter tido essa sorte.

Eu entrei e estava um breu absoluto. Mas eu podia ouvir uma respiração. Meu coração estava tão disparado que eu podia jurar que ia cair duro, mas ainda assim eu liguei o interruptor.

"7, 6, 5, 7, 6, 5." Os sussurros vinham do canto onde ela estava. Aquela mesma maldita mulher. Ela estava quase com os pés colados ali, as costas viradas para a parede. Ela me encarava fixamente. Apesar de que eu pensava que havia perdido a capacidade de fala, eu consegui soltar um "Mas o que?"

"7, 6, 5."

Eu não conseguia me mover. Nada mais existia nesse mundo além desta mulher andando lentamente na minha direção. Era uma sensação assustadora e desconcertante. Assim, eu não estava fisicamente com medo dela, certo? Eu poderia derrubá-la - e estava pronto para tal. Mas este tipo de medo era algo desconhecido para mim. Parecia que eu estava temendo por minha, sei lá, alma? Entende o que eu quero dizer? Eu sabia que ela não poderia me ferir, mas ainda assim estava aterrorizado.

Nem mencionei que eu havia dormido na mesma cama com o que diabos fosse aquilo. Ela se aproximou incrivelmente de mim. Aquela familiar inclinação. Um centímetro de distância. Minha respiração descompassada e alta era o único ruído no quarto.

"7, 6, 5."

Subitamente, algo sobre isso me parecia estranhamente conhecido.

"QUE PORRA É ESSA?" Um grito veio de trás de mim.

Minha namorada.

Eu fui atirado de volta à realidade, virei e agarrei minha garota. "Corre!" Eu berrei enquanto escapávamos do quarto. Nós entramos na cozinha e eu agarrei um desses facões cortantes, como na TV. Minha namorada estava apenas choramingando silenciosamente ao meu lado, incapaz de sequer fazer perguntas.

Eu podia ouvir passos. Inicialmente, eu vi a sombra dela, e então a vislumbrei atravessando calmamente o corredor. Sua boca estava aberta inaturalmente, e ela não me encarava mais. Ela estava agora fitando o teto enquanto caminhava até a porta. Sua cabeça balançava muito rápido. Era absolutamente surreal, estou te dizendo. Quero dizer, imagine esta mulher que te deu o maior cagaço uma semana atrás, agora andando pela sua casa às 3 da manhã, olhando para o teto com a boca impossivelmente escancarada. Sem mencionar que você dormiu próximo a ela por sabe-se lá quantas horas.

Quando ela finalmente saiu, eu corri até a porta e a bati violentamente. Minha namorada continuava incapaz de dizer uma palavra. Quando ela nos pegou juntos, eu tive medo de que ela pensasse que eu a traí com essa mulher, mas não foi isso. Ela viu o quanto eu estava aterrorizado ao voltar para o quarto e ela percebeu que havia algo errado. Eu estava quase molhando as calças, mas tentei não demonstrar. A parte mais assustadora era que eu tinha um emprego no qual eu precisava ficar parado em pé e não reagir a nada.

Eu contei a minha namorada sobre minha experiência com aquela demente, mas não mencionei para ela a parte dos sussurros de "10, 9, 8, 7, 6, 5." Eu não queria assustá-la mais do que já estava.

Por que, o que poderiam ser aqueles números, além de uma contagem regressiva?

Revisado por: Misaki Mei.







2 comentários:

  1. Noss,dahora essa história nova *-* *esperando parte 2* <3

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  2. Nossa da hora d+ MESMO! Lança a parte 2 que to na fissura pra saber que diabos é essa mulher!

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