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sexta-feira, 5 de agosto de 2016

O Filho Morto




 Em uma casa antiga nas montanhas vivia uma mulher idosa e seu filho morto. Toda noite a mulher fazia o jantar e os dois comiam. E toda noite a mulher perguntava ao seu filho morto:

  - Como foi seu dia?

  E o filho morto respondia qualquer coisa que ela quisesse ouvir:

  - Foi bom. Fiquei olhando os pássaros pela janela.

  E a velha sorria e observava:

  - Você sempre adorou pássaros.

  E os dois eram felizes. Na maior parte do tempo. Porque bem no fundo da mente idosa da velha mulher havia sempre uma pequena dúvida incômoda. Como um demônio, ficava sussurrando para ela. Você está louca.

  Ou pior. Seu filho está morto.

  E nas piores vezes, a voz diria coisas ainda mais obscuras. Coisas que nenhuma mulher idosa deveria ouvir.

  Até que em uma noite, quando eles sentaram para jantar, a velha já não queria ouvir que seu filho havia tido um dia bom. Porque a pequena dúvida lhe dissera que filhos reais costumam ter dias ruins às vezes. Que filhos reais precisam de amigos. Então, nessa noite, o filho morto disse:

  - Estou entediado aqui. Quero uma esposa.

  Ao que a mulher respondeu:

  - Não. De jeito nenhum. - E ela foi correndo para a cozinha, muito irritada.

  Da sala de jantar, o filho morto chamou por ela:

  - Nós vamos morar aqui com você.

  - Você vai me deixar de novo. - retrucou ela.

  - Não, não vou. Mãe... por favor. Você não quer ter netos?

  A velha queria mesmo netos. Embora seu filho morto morasse com ela, às vezes ela se sentia sozinha.

  - Você ainda me ama, Simon? - perguntou ela.

  - Sim. - O filho morto riu. - É claro.

  A mulher voltou para a sala de jantar e beijou o filho.

  - Eu vou para a cidade amanhã. Verei o que posso fazer.

Namoro

  No dia seguinte, a mulher idosa sentou na beira de uma estrada movimentada. Ela tinha um pneu furado e aparentava estar muito triste e desamparada. Logo passou um caminhão e o motorista parou, perguntando a ela:

  - Posso ajudar?

  Mas o motorista era um homem e não servia.

  - Não. - disse ela, e ele foi embora.

  Logo depois um carro passou e quem dirigia perguntou à velha:

  - Posso ajudar?

  A motorista era uma mulher. Mas ela tinha pele escura e tatuagens e por isso não servia também.

  - Não. - respondeu ela, e o carro foi embora.

  Finalmente uma van passou e o motorista perguntou à velha:

  - Podemos ajudar?

  E embora o motorista fosse um homem, havia cinco jovens no banco de trás - dois rapazes, três moças atraentes. Simon vai poder escolher, pensou a mulher idosa.

  - Sim. - disse ela.

  ***

  Enquanto os jovens trocavam o pneu furado da velha, o motorista se apresentou como Tommy. Orgulhosamente, ele contou a ela:

  - Eu sou um jovem pastor na Igreja Cristã Red Oaks. Este é o nosso grupo de jovens cristãos - Kirsten, Monica, Andrea, Chris e Aaron. Eles são muito gente boa.

  - Com certeza são. - concordou a idosa. Kirsten é a mais bonita. - Muito obrigada.

  - Fico feliz em ajudar. - disse Tommy.

  - Venha para a minha casa. Vou fazer um jantar para todos vocês.

  - Você não precisa fazer isso.

  - Não, por favor. Eu adoraria.

  - Na verdade, nós provavelmente precisamos ir. Nós estamos fazendo o que chamamos de uma viagem de Destino Incerto. Nós definimos uma direção e distância em um sorteio, vamos até lá e vemos como o Senhor pode fazer uso de nós naquela comunidade.

  Bem, isso é alguma coisa, pensou a velha. Ela não ia à igreja há muito tempo, mas sabia sobre Deus e o céu e como quando morrer, você vai para lá para louvar ao Senhor para todo o sempre.

  - Apenas tentando compartilhar o amor d'Ele. - completou Tommy.

  - Abençoado seja. Eu estava pensando...? Não, acho que não.

  - O quê?

  - Meu quintal está uma bagunça. Meu filho não ajuda mais nas tarefas domésticas.

  - Sim, nós podemos ajudar com seu quintal.

  Isso fez a mulher idosa sorrir.

  ***

  Logo Tommy e os outros jovens estavam trabalhando duro no quintal da mulher, roçando e capinando, capinando e roçando. A velha estava ocupada preparando limonada envenenada. O filho morto dela estava sentado em seu quarto, observando os voluntários pela janela. Tenho certeza de que ele vai escolher a Kirsten, pensava ela. Com certeza vai.

  - Ei, vocês! - exclamou ela, levando uma travessa de copos e uma jarra de limonada para o lado de fora. Os jovens correram para pegar uma bebida. Menos Tommy, que continuou arrancando ervas daninhas. - Você também, Tommy.

  - Não posso. Na verdade, sou diabético.

  A velha franziu o cenho. Aquilo não era bom. Nem um pouco. Ela teria de agir rapidamente. Ela voltou correndo para dentro em busca de uma faca. Mas Tommy seria mais forte do que ela. 

  - Simon! - chamou ela. Mas o filho morto não saiu do quarto.

  A mulher idosa voltou para fora. Vários dos jovens já haviam colapsado no chão. Kirsten estava tossindo. Por sorte, Tommy estava com a cabeça virada, ainda trabalhando. A mulher andou o mais rápido que conseguia na direção dele. Kirsten tentou gritar para avisá-lo, mas não conseguia parar de tossir. Ela pegou a travessa de limonada e a bateu contra a casa antiga, causando um ruído alto. Tommy se virou. 

  Ele olhou para a velha diante dele com uma faca.

  Seu rosto foi tomado pelo medo. A mulher idosa se inclinou sobre ele. A faca atingiu o ombro dele, abrindo um corte profundo. Ele conseguiu ficar em pé e correu para longe da mulher, na direção de seu grupo.

  - Simon! - gritou a velha.

  Tommy olhou para seus amigos, todos caídos no chão, e correu para dentro da casa.

  - Simon!

  Tommy puxou seu celular. Não tinha sinal. Ele correu até o outro lado da casa, e então parou, vendo o filho morto da velha parado diante da janela de seu quarto. 

  - Por favor, você precisa nos ajudar! - Tommy implorou a ele.

  O rapaz estava perdendo sangue. A mulher idosa havia atingido uma artéria. Tommy cambaleou na direção do filho morto. 

  - Por favor, Simon.

  Ele tocou o braço do filho morto. Nenhuma reação. Ele tocou a cabeça do filho morto. Ainda nada. Ele virou a cabeça do filho morto para encará-lo. O filho morto estava inexpressivo. Seus olhos encaravam Tommy sem piscar. E então Tommy colapsou, esvaindo-se em sangue.

  A velha entrou.

  - Obrigada, Simon. - disse ela.

  ***

  Um por um, os cinco jovens acordaram. Eles estavam deitados enfileirados em um porão, com suas mãos e pés amarrados atrás das costas. A mulher idosa e seu filho estavam parados olhando para eles.

  - Qual você quer? - perguntou ela.

  - Aquela. - O filho morto respondeu, apontando para Kirsten.

  - Eu sabia. Ela é a mais bonita.

  Os outros se viraram para encarar Kirsten, que começou a chorar.

  - Não se preocupe, querida. - disse a velha. - Você vai amar o Simon.

  Mas Kirsten não parou de chorar até a mulher abrir a garganta dela.

***

  Logo Kirsten estava deitada nua na mesa de trabalho da velha. Agora eram os outros jovens que estavam chorando. Eles choraram enquanto a velha removia as entranhas de Kirsten. Eles choraram enquanto a velha prendia músculos falsos de argila aos ossos de Kirsten. Eles choraram enquanto a velha reconectava os ossos de Kirsten com fios de metal. Eles choraram enquanto a velha recolocava a carne de Kirsten. E eles choraram enquanto a velha dava a Kirsten novos e brilhantes olhos de vidro.

  - Nós seremos muito felizes juntos. - disse o filho morto à mãe.

  Isso fez a mulher idosa sorrir.

Casamento

  Toda noite a velha entrava em seu porão para trazer aos quatro jovens um prato de macarrão instantâneo e um copo d'água. Então ela fazia o jantar e comia com seu filho morto e a esposa morta dele. E toda noite a velha perguntava a eles:

  - Como foi seu dia?

  E eles lhe diziam qualquer coisa que ela quisesse ouvir:

  - Foi bom. Você pode esperar netos em breve.

  E os três eram felizes. Na maior parte do tempo. Porque bem no fundo da mente idosa da velha mulher havia sempre uma pequena dúvida incômoda. Com um demônio, ficava sussurrando para ela. Ele vai te deixar.

  E sussurrando. Casais reais não querem morar com a sogra. Casais reais precisam de espaço.

  E agora, com mais frequência do que antes, a voz dizia coisas ainda mais obscuras. 

  Isso já aconteceu antes.

  Até que em uma noite, o filho morto da mulher idosa disse a ela:

  - Mãe, precisamos conversar.

  E ela ficou com muito medo. Isso já aconteceu antes.

  - Kirsten e eu sentimos que nossos filhos seriam mais felizes em um lugar mais urbano. Onde haveria outras crianças por perto.

  Ele vai te deixar. Ele vai te deixar de novo.

  - O que você está dizendo? - perguntou a idosa, tentando ficar calma.

  Ele tem uma vadia nova e não te ama e vai te deixar de novo.

  - Nós vamos nos mudar. - disse o filho morto.

  E você ficará sozinha.

  - Não. - respondeu a velha. - Você disse que iriam morar aqui comigo.

  Isso já aconteceu antes. Você está sozinha.

  - Você vai poder nos visitar sempre que quiser.

  Mentira. Ele está mentindo.

  - Você mentiu para mim! - gritou a velha.

  Você sabe o que precisa fazer.

  A mulher idosa correu para a cozinha e pegou sua faca.

  Você já fez isso antes.

  - Mãe! - exclamou o filho morto, aterrorizado.

  Você o matou. 

  - O que você está fazendo? - perguntou Kirsten, assustada.

  Você matou seu próprio filho.

  - Você não pode me deixar! - gritou a idosa. Ela enfiou a faca no filho morto. Mas ele não reagiu. Era como se ele estivesse...

  Seu filho está morto.

  Ela o esfaqueou de novo. Seu corpo caiu rigidamente.

  Seu filho está morto e você o matou.

  A mulher idosa esfaqueou sua nora morta e o corpo dela caiu também. Então ela se ajoelhou no chão, esfaqueando seu filho morto de novo e de novo -

  Seu filho está morto e você o matou e agora você está sozinha.

  - e de novo!

Os netos

  A velha cambaleou para dentro do porão, chorando com a faca na mão. Ela agarrou um dos jovens e chorou no ombro dele. Os jovens ficaram confusos. Não conseguiam entender.

  - Estou sozinha. - disse a idosa. - Estou sozinha.

  - Se você nos libertar, vamos lhe fazer companhia. - respondeu um deles.

  A velha parou de chorar por um segundo. Ela pensou para si mesma, eles serão meus netos. E isso a deixou feliz. Mas a pequena dúvida incômoda sussurrou -

  Eles vão te deixar. Assim como o Simon.

  - Vocês vão me deixar? - perguntou ela.

  - Não. - disseram em uníssono. 

  Mentiras. Eles mentem.

  - Vão sim. - Ela pressionou a lâmina contra a garganta do primeiro jovem e viu o medo preencher seu rosto.

  - Não... - implorou ele.

  Sim.

  A velha hesitou. O jovem fechou os olhos. Tentando acalmar a si mesmo, ele começou a cantar uma música gospel:

  - O que pode lavar o meu pecado?

  Vá em frente.

  E lentamente os outros o acompanharam:

  - Nada além do sangue de Jesus.

  Faça.

  A velha cortou a garganta do primeiro jovem. Mas os demais continuaram a cantar.

  - O que pode me fazer inteiro de novo?

  A velha cortou a garganta do segundo jovem. Mas os demais continuaram a cantar.

  - Nada além do sangue de Jesus.

  A velha cortou a garganta do terceiro jovem. Mas o último continuou a cantar.

  - Oh, precioso é o jorro...

  A velha cortou a garganta do último jovem.

  ***

  Em uma casa antiga nas montanhas vive uma mulher idosa e seus netos mortos. Toda noite após o jantar, eles cantam canções para louvar ao Senhor.

  - Agora com isso eu irei superar. Nada além do sangue de Jesus.

  Para todo o sempre.

  - Agora com isso eu alcançarei meu lar. Nada além do sangue de Jesus.

  E a mulher idosa está muito feliz.
  

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